(De um diário de campanha. Fato real ocorrido em 21 de novembro de 1944, na estrada 64, próximo às cidades de Marano e Volpara, na Itália)
Dois “jeeps” rasgavam a neblina boreal, dirigindo-se para a claridade do dia, obedientes aos pulsos firmes dos motoristas, brasileiros patriotas e saudosos, nutridos dos cumprimento do dever pátrio.
Uma brisa leve e vigorosa, enfeitava aquela atmosfera saborosamente fria e agradável até. A estrada dirigia-se com ímpeto sinuoso, desdobrando-se atravez da encosta daquela pitoresca moldura á tela de hábil pintor.
O ar apresentava-se sobrecarregado de ameno temperatura glacial, traspassando deliciosamente nossos pulmões compressos e asfixiades pelas agruras de guerra.
A estrada, em todo o seu percurso, deixava á mostra os incontáveis sulcos, originados das explosões causadas pelos morteiros alemães, que os carros enfrentavam com denoso, como se percebessem a importância que pairava sôbre seus tripulantes. Nem a lama fria que cobria com seu grosso tapete toda a via, nem a visibilidade turvada, eram motivos para barrar a marcha decisiva dos veículos.
Súbito, como um instante, cambiou-se o quadro: o panorama fausto e angelical, puro como a água cristalina, deu margem ao ambiente horrendo de guerra alucinada, num último lance de alcançar a Vitória, já pendente para o fiel do adversário. Uma saraivada de projéteis, largados pelos canos mortíferos dos canhões nazistas, plantam-se espalhados naquela parte da terra tão caprichosamente pincelada. Sucedem-se espoucares estraordinários e espetaculares. A morte abre sôbre o ambiente seu véu funesto, na ânsia de aumentar seu reino. Param compulsoriamente os carros e seus viajores se atiram no chão imundo, como azoinados e viciados, numa “chance” de salvação! Aumenta o tétrico movimento. Balouça-se no ar, a própria morte. Nem o costume de tão hediondas circunstâncias anula o terror das faces dos homens, embora muito o alivie.
Divaga-se o pensamento, variado e irresoluto, chega ao Brasil, á família, tornando aos céus, num lance de pensamento, implorando misericórdia...
As bombas caem, enfurecidas e incertas, explodem e com os milhares de estilhaços assassinos, atiram terra e devastam as plantas mais próximas. Assobiam anunciando sua chegada, como se nelas cavalgasse o próprio Satanás!
Os homens decidem-se: urge a partida. “Casa de Cristo” é o local almejado e os homens deslocam-se, como autômatos, confiantes em sí mesmos e no destino, para tomarem lugar nos veículos e seguir. Fazem-no, a mercê dos tiros da refreada artilharia “tedesca”...
Na marcha, agora mais moderada, em virtude de pior estrada, os “pracinhas” querem convencer suas próprias conciencias que o perigo passou. O motorista Maluche, extremamente “folgado” (excelente nas horas de dificuldades como esta), ri forçado, olha para o sargento Mendes e diz: “Nossa vida não está valendo nada...”
Nisso, o cabo Simões, piscando para o soldado Maluche replica: “É verdade, nossa vida não está valendo mais nada e eu não dou duzentos reis pela vida do cabo Padilla...” E eu, disse êste, não dou nem uma lira pelo cadaver do cabo Raposo.
Atalha novamente o Maluche, sem descuidar-se do volante e nem ligar às granadas que já diminuíam, numa gargalhada: “E vocês não veem que duzentos réis e uma lira é “los tesso”?
Nisso, no banco de traz do “jeep”, branco como um papel, explode o soldado Nacle: “Maluche, seja ou não “los tesso”, pisa nêsse acelerador”...
São Paulo, 14/12/1945.
(*) Sr. José Padilla Bravos, ex-componente da FEB e nosso distinto colaborador atualmente domiciliado na Paulicéia.
Extraído do Correio de Marília de 25 de dezembro de 1945
TEXTO RETIRADO DO Blog do Cláudio Amaral
E a contribuição do tal MOTORISTA MALUCHE, que é o sr. Winiton Maluche, de Brusque.
Motorista Maluche (do texto baixo), fui o próprio, o condutor do jeep 88 da FEB. Designado para o pelotão de transmissões do 3º do 6º RI. Hoje com 89 anos resido nesta cidade de Brusque no Vale do Itajaí MIrim.
Todos os "passageiros" em nossos deslocamentos eram radio-telegrafistas, inclusive eu, que era classificado como mensageiro. O cabo Raposo era rádio-técnico, sendo comandado pelo Sargento Mendes.
Depois que conseguimos uma máquina de escrever o Padilla "fundou" um jornal cujo nome não me recordo, mas que sempre trazia abaixo do título a seguinte frase: "O único Jornal Brasileiro não registrado no DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda)", da ditadura Vargas. Esperávamos sempre com ansiedade uma nova edição do jornal, com as novidades e comentários que demonstravam o talento jornalístico e literário do Padilla.
Um caloroso Abraço do sempre amigo do Cabo Padilla, Winiton Maluche