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Dom Jaime de Barros Câmara

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Foi reitor do Seminário Nossa Senhora de Lourdes Azambuja-Brusque e do Santuário de Nossa Senhora do Caravaggio de Azambuja de 1927 a 1936.

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Jaime de Barros Câmara nasceu em São José (SC) no dia 3 de julho de 1894, filho de Joaquim Xavier de Oliveira Câmara e de Ana de Barros Câmara. Pertencente a uma modesta família local, cedo viu-se órfão de pai, o que mais ainda agravou a situação financeira da família: foi com esforço que Ana Câmara educou os cinco filhos.

Após fazer os estudos primários em sua cidade natal, Jaime Câmara ingressou em 1906 no Ginásio Catarinense de Florianópolis, onde concluiu o curso ginasial em 1912. No ano seguinte iniciou-se no magistério, dando aulas nesse mesmo colégio, no qual exerceu também as funções de administrador. Em 1914, transferiu-se para a cidade gaúcha de São Leopoldo, onde ingressou no Seminário de Nossa Senhora da Conceição, pelo qual se diplomou, cinco anos depois, em filosofia e teologia.

Em 1º de janeiro de 1920, Jaime de Barros Câmara foi ordenado padre em cerimônia realizada na catedral Metropolitana de Florianópolis, tendo celebrado sua primeira missa no dia seguinte, na igreja de São José. Sua vida sacerdotal desenvolveu-se a partir de então em Santa Catarina, iniciando-se com a substituição do cura da catedral de Florianópolis por um curto período de tempo. Depois disso, Jaime Câmara foi coadjutor da paróquia de Tijucas (SC) — onde exerceu o cargo de presidente da sociedade que dirigia o hospital municipal —, capelão das Irmãs da Divina Providência, cura da catedral Metropolitana, capelão do Hospital de Caridade de Florianópolis e secretário do bispado dessa cidade. Em 1927, com a criação do Seminário Menor de Azambuja, no município de Brusque (SC), foi nomeado seu primeiro reitor, função que desempenharia até 1935. Dois anos depois dessa indicação, foi designado cônego.

 

A diocese de Mossoró e a arquidiocese de Belém do Pará

Em junho de 1935, Jaime Câmara foi nomeado monsenhor. No final do ano, em 19 de dezembro, tornou-se o primeiro bispo de Mossoró (RN), por nomeação do papa Pio XI, que criara essa diocese em junho de 1934. Recebeu contudo sua sagração episcopal somente em 2 de fevereiro de 1936, tomando posse na diocese em abril e aí passando a desenvolver uma linha de atuação preocupada basicamente com dois aspectos: o das vocações e o da ação social junto aos trabalhadores das salinas locais.

Em relação às vocações, dom Jaime procurou intensificar o recrutamento de religiosos, determinando, entre uma de suas primeiras medidas, a fundação e a edificação de um novo seminário, do qual foi também o primeiro reitor e professor. Inaugurado em 2 de fevereiro de 1937 com 24 alunos, esse seminário em três anos duplicaria seu número de internos.

O segundo aspecto da atuação de dom Jaime em Mossoró visava promover a aproximação entre a Igreja e os trabalhadores das salinas de modo a evitar a propagação na comunidade das idéias de esquerda. Para tanto, foi criado o Círculo Operário de Mossoró, um tipo de associação civil de trabalhadores, de inspiração católica, que começou a surgir em todo o país durante a década de 1930.

Segundo alguns autores, dom Jaime teria chegado a participar ativamente do movimento integralista como bispo de Mossoró, o que não é referendado, entretanto, pela maioria dos historiadores.

Dom Jaime consagrou-se, ainda em sua diocese, a outras instituições de caráter assistencial, tendo sido responsável pela construção do Asilo Amantino Câmara, edificado com a herança deixada por seu irmão, que falecera recentemente no Rio de Janeiro, e pela organização da Ação Católica local.

Dom Jaime permaneceu em Mossoró até 18 de setembro de 1941, quando foi transferido para a Arquidiocese de Belém do Pará, na qual tomou posse em 1º de janeiro de 1942. Durante sua breve permanência na capital paraense, desenvolveu ação semelhante à que desempenhara no Rio Grande do Norte: ampliou o seminário local, comprou para a cúria o Ginásio Progresso Paraense e a sede do Círculo Operário. Organizou ainda, por ocasião do Congresso Eucarístico de Manaus, uma peregrinação fluvial, que, ao longo de 11 dias, levou para a capital amazonense o Santíssimo Sacramento.

 

A Arquidiocese do Rio de Janeiro

Em 17 de outubro de 1942, a morte do cardeal dom Sebastião Leme, que se destacara à frente do episcopado brasileiro, deixou vaga a Arquidiocese do Rio de Janeiro (então Distrito Federal), que permaneceu sem titular durante quase um ano. Em 3 de julho de 1943, dom Jaime foi nomeado pelo Vaticano para suceder a dom Leme, mas só tomou posse na Cúria Metropolitana em 15 de setembro. Segundo Ralph Della Cava, sua indicação para a arquidiocese representou, na realidade, o colapso da liderança criada por seu antecessor: “Com o tempo, até mesmo o poderoso movimento que Leme colocou em ação para centralizar a hierarquia sob o comando dos superiores do Rio se desmantelou. O poder eclesiástico, como de costume, refluiu novamente para as dioceses isoladas e seus ocupantes.”

A atuação de dom Jaime na arquidiocese foi assinalada, mais uma vez, pela atenção dada à questão da formação sacerdotal, da qual resultou a reformulação material e intelectual do Seminário do Rio de Janeiro. As novas instalações do estabelecimento permitiram a realização, pela primeira vez, de um congresso nacional de reitores de seminários, em janeiro de 1948. Por outro lado, dom Jaime deu ênfase ao ensino religioso, quer ministrando pessoalmente aulas de religião no Instituto de Educação da Prefeitura do Distrito Federal, quer estimulando os cursos de formação catequética já existentes. Datam dessa época seus contatos com diversas unidades militares — entre as quais as academias do Exército, da Marinha e da Aeronáutica —, para as quais preparou, e muitas vezes chegou mesmo a presidir, as celebrações da Páscoa.

Ainda nesse sentido, dom Jaime deu continuidade ao projeto iniciado por dom Sebastião Leme, do qual resultaria a criação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Desde 1940, haviam sido criadas no Rio as faculdades católicas de Direito e Filosofia, cujo reitor era o padre Leonel Franca. Em 1946, com a agregação do Instituto Social e a criação da Escola Politécnica, as faculdades católicas obtiveram autorização do governo federal para se organizarem numa universidade, cujos estatutos foram então aprovados. Em janeiro do ano seguinte, coroando os esforços conjuntos de dom Jaime e do padre Leonel Franca, a Santa Sé, por intermédio da Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades, concedeu à Universidade Católica do Rio de Janeiro a prerrogativa de universidade pontifícia.

 

O cardinalato

Ainda no início de 1946, dom Jaime viajou para Roma, onde foi eleito e proclamado cardeal presbítero no consistório realizado em 18 de fevereiro, tendo recebido de Pio XII o anel e o chapéu cardinalícios. Couberam-lhe os títulos de São Bonifácio e de Santo Aleixo. Dom Jaime tornou-se dessa forma o terceiro cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, passando nesse mesmo ano a integrar e a presidir a comissão episcopal para a Ação Católica Brasileira (ACB), cuja reformulação promoveu. Implantada em 1935 pelo cardeal Leme, em resposta às solicitações do papa Pio XI no sentido de que fossem criadas em todos os países associações leigas vinculadas à Igreja, sem qualquer filiação política e encarregadas de promover a “evangelização das nações”, a ACB já vinha apresentando, bem antes da morte de dom Leme, em 1942, sinais de declínio, evidenciados na pequena mobilização que conseguira provocar. Durante o ano de 1946, foram elaborados, com o auxilio da comissão episcopal, os novos estatutos da associação, que, aprovados pelo Vaticano, foram adotados no I Congresso da ACB, realizado no Rio de Janeiro nos meses de maio-junho.

Em 1947, a Cúria Metropolitana, desejando implantar um jornal matutino, pediu permissão à diretoria do Correio da Noite para imprimir o novo órgão em suas oficinas. O proprietário do Correio da Noite, Mário Magalhães, preferiu contudo fazer uma contraproposta, colocando seu jornal à venda, o que foi aceito pela cúria. O Correio da Noite, no entanto, permaneceu pouco tempo sob a orientação da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que acabou por vendê-lo a Luís Gama Filho.

Em 1948, dom Jaime participou do Congresso Eucarístico Nacional, exercendo as funções de legado pontifício. No início do ano seguinte, pronunciou-se contra a condenação do cardeal primaz da Hungria, monsenhor József Mindszenty, à prisão perpétua, como inimigo do socialismo. A condenação levou dom Jaime a promover no Rio de Janeiro uma procissão do Santíssimo Sacramento, em solidariedade ao prelado húngaro. Entre 1950 e 1952, dom Jaime foi, sucessivamente, vigário castrense das tropas brasileiras de terra, mar e ar (1950), bispo ordinário para os católicos de ritos orientais no Brasil (1952), legado ad latere ao Congresso Eucarístico Nacional, realizado em Porto Alegre, e legado pontifício ao Congresso Interamericano de Educadoras Católicas (1952).

 

A criação da CNBB

Ainda em 1952, em outubro, ultimaram-se os trabalhos para a criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), idéia lançada em 1949 pelo núncio apostólico dom Carlo Chiari e desenvolvida desde então pela ACB. No dia 14, dom Jaime participou da primeira sessão da reunião extraordinária de instalação da CNBB, que representou a concretização do anteprojeto elaborado durante o Congresso Mundial de Leigos, realizado em Roma em 1950. Nesse congresso, um dos principais defensores da idéia da CNBB foi o monsenhor Montini, na época assessor do sumo pontífice e que mais tarde se tornaria o papa Paulo VI. Durante a reunião de 14 de outubro de 1952, realizada no palácio São Joaquim, sede da arquidiocese do Rio, foi ainda eleita uma comissão permanente, presidida por dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, responsável pela direção do novo órgão. Para a secretaria geral foi nomeado o recém-escolhido bispo-auxiliar da arquidiocese do Rio, dom Hélder Câmara.

Dois anos depois de sua criação, e principalmente após a chegada do novo núncio apostólico, monsenhor Armando Lombardi, em 1954, a CNBB tornou-se o porta-voz mais autorizado da Igreja Católica no Brasil, função tradicionalmente desempenhada pelo arcebispo do Rio de Janeiro. Segundo Ralph Della Cava, a partir de 1954, a CNBB, e não dom Jaime de Barros Câmara, “tornou-se o verdadeiro sucessor do cardeal Leme, enquanto o secretário-geral da CNBB, dom Hélder Câmara, emergiu como o líder de fato da Igreja brasileira”. Politicamente, contudo, o cardeal-arcebispo do Rio reteve considerável poder em suas mãos, já que representava a ala conservadora da Igreja Católica do Brasil.

O ano de 1954 foi politicamente marcado por grande agitação, já que, em outubro, seriam realizadas as eleições para o Legislativo, o que instabilizava ainda mais o governo de Getúlio Vargas, às voltas com um vigoroso acirramento da campanha oposicionista. Para dom Jaime, foi um ano de intensos preparativos, pois em 1955 a arquidiocese do Rio promoveria o XXXVI Congresso Eucarístico Internacional. Em fins de julho, através de seu programa radiofônico A voz do pastor, dom Jaime intensificou suas críticas à administração do Distrito Federal, que demorava em conceder o terreno para a construção do altar-monumento destinado às cerimônias do Congresso Eucarístico.

Poucos dias depois, instalou-se a crise final do governo Vargas, originada com o atentado, ocorrido na rua Toneleros no dia 5 de agosto, contra o jornalista de oposição Carlos Lacerda, durante o qual foi assassinado o major-aviador Rubens Vaz, que o acompanhava na ocasião. A divulgação de informações sobre o envolvimento da guarda pessoal de Vargas no crime gerou diversos rumores sobre sua renúncia. Em meio a tais boatos, dom Jaime dirigiu-se no dia 10 de agosto ao palácio do Catete, com o intuito, segundo alguns autores, de sondar o presidente da República sobre as possibilidades de sua renúncia. Negando tal disposição, Vargas comunicou-lhe também sua decisão de dar prosseguimento ao inquérito sobre o atentado da Toneleros.

Dois dias mais tarde, dom Jaime celebrou, na igreja da Candelária, a missa de sétimo dia em intenção do major Rubens Vaz, à qual compareceram autoridades civis e militares, além de grande massa popular. Após a celebração, sucederam-se, no centro da cidade, manifestações populares contra o governo Vargas e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O prosseguimento das investigações acabou por comprovar as ligações dos assassinos com membros do corpo de segurança de Vargas, levando ao acirramento da campanha contra o presidente, que se suicidou no dia 24 de agosto.

Em 1955, realizou-se no Rio, com extrema pompa, o XXXVI Congresso Eucarístico Internacional, além da Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. Reunida entre 25 de julho e 4 de agosto, essa conferência decidiu a criação do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), para o qual dom Jaime foi eleito presidente, função que exerceria até 1960.

 

Atuação na sucessão presidencial de 1955

A questão da sucessão presidencial durante o ano de 1955 concorreu decisivamente para a manutenção da instabilidade política. Realizado o pleito em outubro — precedido já de boatos sobre a preparação de um golpe —, a tensão aumentou ao se configurar a vitória de Juscelino Kubitschek e João Goulart, candidatos do Partido Social Democrático (PSD) e do PTB. Em 11 de novembro, um movimento encabeçado pelos generais Henrique Teixeira Lott e Odílio Denis depôs o presidente interino Carlos Luz — o presidente João Café Filho encontrava-se em licença médica —, sob a suspeita de que este estivesse ligado aos “golpistas” que planejavam impedir a posse do presidente eleito.

Substituído no governo por Nereu Ramos, Carlos Luz, que se refugiara no cruzador Tamandaré, retornou ao Rio no dia 13, decidido a ler um manifesto na Câmara dos Deputados, cuja presidência exercia quando da doença de Café Filho. Na madrugada do dia seguinte, foi procurado por dom Jaime de Barros Câmara, acompanhado por dom Hélder Câmara. O cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, como emissário do novo governo, tentou convencer o presidente deposto a não fazer seu pronunciamento na Câmara, já que a sua presença naquela casa poderia provocar manifestações contrárias, inclusive ataques pessoais por parte dos comunistas. Carlos Luz, no entanto, negou que houvesse tal perigo, razão pela qual não desistiria do pronunciamento, afinal realizado naquele mesmo dia.

Tendo recebido alta de seus médicos, Café Filho procurou, no dia 21 de novembro, retomar a presidência. Na noite desse dia, dom Jaime foi procurado no palácio São Joaquim pelo general Juarez Távora, que lhe sugeriu intervir junto a Lott e a Nereu Ramos no sentido de que estes garantissem a volta de Café Filho como a melhor saída para a situação que ele, Juarez, considerava de ilegalidade. Dom Jaime, em resposta, comprometeu-se a examinar o que seria possível tentar nesse sentido. Não chegou, contudo, a tomar qualquer iniciativa, já que, desde cedo, os tanques do Exército vinham ocupando as imediações do palácio do Catete, bem como da residência de Café Filho, em Copacabana.

Dois dias mais tarde, quando o Congresso votava o impedimento de Café Filho, dom Jaime foi procurado pelo empresário Rui Gomes de Almeida, presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), o qual, como representante das classes produtoras, veio lhe pedir o apoio da Igreja para harmonizar as cisões que haviam aflorado no interior das forças armadas com o movimento de 11 de novembro. Ciente de que o empresário já vinha mantendo contatos com o general Henrique Lott, o brigadeiro Eduardo Gomes e o almirante Amorim do Vale — ministros das pastas militares na ocasião daquele movimento e defensores, os dois últimos, de posições opostas à do primeiro —, dom Jaime garantiu-lhe o apoio da Igreja e elaborou uma mensagem de pacificação dirigida aos chefes militares.

 

A CNBB e a crise na Igreja

Entre 1958 e 1963, dom Jaime de Barros Câmara exerceu a presidência da CNBB em substituição a dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, que ocupara o cargo desde a criação do órgão, em 1952. Nessa instituição, no entanto, a figura de maior projeção continuou sendo a de seu secretário-geral, dom Hélder Câmara, que liderava a ala progressista da Igreja brasileira. Em 1959, dom Hélder deixou as funções de bispo-auxiliar do Rio de Janeiro, permanecendo contudo na CNBB. Por sua influência, em 1962 a CNBB expediria veemente pronunciamento em apoio às reformas de base, sugerindo inclusive a desapropriação de terras rurais para posterior redistribuição.

Em 1960, realizou-se no Rio um congresso da Juventude Universitária Católica (JUC) — associação civil católica reconhecida nacionalmente pela hierarquia eclesiástica em 1950 com a finalidade de difundir os ensinamentos e a doutrina da Igreja no meio universitário —, durante o qual foram aprovadas (embora tenham sido muito criticadas) novas diretrizes para o movimento, representando a consolidação da preocupação com as questões de caráter social: entre outros pontos, foi proposta a “luta contra o subdesenvolvimento e contra a primazia do capital sobre o trabalho, em prol da reforma agrária e do controle estatal dos setores de base da economia”. A adoção de tais diretrizes, no entanto, provocou divergências entre alguns dos integrantes da JUC, bem como entre membros da hierarquia eclesiástica. Dom Jaime de Barros Câmara chegou mesmo a recusar o convite que lhe fora feito pela JUC para que celebrasse a missa de encerramento do congresso.

Em janeiro de 1961, tomou posse o novo presidente da República, Jânio Quadros, que, em seu breve período de governo, procurou adotar uma política externa mais independente, de neutralidade em relação à guerra fria que se instalara após o último conflito mundial. Algumas de suas atitudes, no entanto, como o apoio à discussão na Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a admissão da China comunista e a declaração de que o governo vinha estudando o reatamento das relações diplomáticas com a URSS (rompidas desde 1947), provocaram a reação dos setores mais conservadores da sociedade.

Em meados de julho, Jânio Quadros recebeu no palácio do Planalto, em Brasília, a Missão Soviética de Boa Vontade, cujo objetivo era incrementar o intercâmbio comercial e cultural entre o Brasil e a URSS. Esse fato, associado à nova política de reaproximação com alguns dos países do Leste europeu, levou à intensificação da campanha oposicionista, cuja principal corrente era liderada por Carlos Lacerda, governador da Guanabara, pelos jornalistas Roberto Marinho, de O Globo, e Júlio de Mesquita Filho, de O Estado de S. Paulo e pelo cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro. Dom Jaime, cujas preleções pelo rádio, através do programa A voz do pastor, vinham sendo de há muito publicadas na seção católica do Jornal do Comércio, já havia conseguido, nessa ocasião, garantir sua influência sobre grande parte da Igreja e dos católicos.

No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros, após seis meses de governo, apresentou seu pedido de renúncia. No dia seguinte, dom Jaime publicou um manifesto alertando para a necessidade de se respeitar a Constituição, de modo a evitar que a renúncia do presidente fosse aproveitada para qualquer alteração da ordem pública.

Em 1963, a maioria da hierarquia eclesiástica parecia estar convencida de que a agitação que se fazia para a aprovação das reformas sociais favoreceria, inevitavelmente, a implantação do comunismo no país. Nesse sentido, um grupo de bispos e arcebispos, entre os quais dom Vicente Scherer, dom Agnelo Rossi e dom Eugênio Sales, além de dom Jaime, enviou uma carta a dom Cândido Pandim, que, desde 1962, vinha substituindo dom Hélder no cargo de assistente nacional da ACB, solicitando que os assistentes eclesiásticos da Ação Católica Brasileira “formassem a consciência dos militantes no ensino autêntico da Igreja e de sua doutrina social”, conservando-se afastados de “certas correntes ideológicas em voga nos meios do laicato”. A mensagem revelava, por fim, o temor da Igreja ante a radicalização do movimento católico.

Ainda por essa época, dom Jaime foi um dos principais incentivadores da vinda para o Brasil do padre Patrick Peyton — considerado por Ralph Della Cava como a alternativa do catolicismo norte-americano para o reverendo Billy Graham e como o responsável pela realização de “milagres pela fé nas Filipinas”. O padre Peyton implantou no Brasil a Cruzada do Rosário em Família, organização que congregava devotos que participavam em massa de congressos eucarísticos e promoviam campanhas anticomunistas. A Cruzada do Rosário em Família acabou por tornar-se um dos instrumentos de mobilização da classe média nas cidades contra o governo de João Goulart, muito embora sua interferência em questões políticas só tenha aflorado quando da realização de uma grande concentração no Rio de Janeiro que contou com o apoio dos bispos conservadores, entre os quais dom Jaime.

Em 19 de março de 1964, seis dias após o comício presidido por Goulart na estação da Central do Brasil, no Rio de Janeiro — e durante o qual Goulart assinou alguns decretos preliminares relativos a reformas sociais —, quinhentas mil pessoas desfilaram em São Paulo na Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em protesto contra tais decretos, atendendo à convocação de uma frente de organizações conservadoras, entre as quais se incluía a Cruzada do Rosário em Família. Uma semana depois, o arcebispado do Rio, através de sua Confederação Católica, convocou todas as associações a ela filiadas (entre as quais a Cruzada do Rosário em Família e os Círculos Operários Católicos) e organizou outra marcha em oposição a Goulart. No dia 31 de março, eclodiu o movimento político-militar que depôs o presidente da República. A marcha carioca saiu às ruas no dia 2 de abril, já caracterizada como uma “marcha da vitória”.

 

O pós-1964

Durante o ano de 1964, a Arquidiocese do Rio de Janeiro decidiu construir uma nova catedral Metropolitana. No início de 1965, em cerimônia realizada no dia 19 de janeiro no palácio São Joaquim, foram instaladas as comissões encarregadas da construção do novo templo. A cerimônia contou com a presença do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, que também compareceu ao lançamento, no dia seguinte, da pedra fundamental da futura catedral.

A partir do movimento de março de 1964 começaram a se multiplicar os conflitos entre a Igreja e o Estado, à medida que evoluíam o pensamento social católico, as formas de aplicá-lo e as formas de organização necessárias para essa aplicação. Explicitamente, esses conflitos se concretizaram, entre outros pontos, na análise da doutrina social da Igreja e da sua inconformidade com a doutrina do regime militar e no envolvimento de padres e leigos na luta — a partir de determinado momento, clandestina — contra o govemo.

Em março de 1968, durante os incidentes ocorridos no restaurante do Calabouço, envolvendo estudantes e a Polícia Militar do Rio, foi morto com um tiro no peito o secundarista Edson Luís de Lima Souto. Sua morte marcou, após quase quatro anos de silêncio, o início de uma nova fase de manifestações estudantis, que atingiu várias cidades. A missa de sétimo dia de Edson Luís foi celebrada na igreja da Candelária, que permaneceu cercada por forte dispositivo policial. Prevendo agressões — na parte da manhã já haviam ocorrido choques entre a cavalaria e as pessoas que saíam da igreja —, o vigário-geral do Rio, dom José de Castro Pinto, e mais 15 padres, ainda paramentados, deixaram a igreja de mãos dadas à frente dos estudantes, de modo a impedir novos choques. Novas participações de religiosos em manifestações políticas ocorreram quando da realização, no Rio, das passeatas conhecidas como dos Cem Mil — no dia 26 de junho, em protesto contra o governo, apoiando o movimento estudantil —, e dos 50 Mil — no dia 4 de julho, em protesto pelo fracasso da tentativa de diálogo entre o governo e a Comissão Popular da Assembléia dos Cem Mil.

No início de dezembro de 1968, foram presos em Belo Horizonte três padres franceses e um diácono brasileiro em vias de se ordenar, implicados em atividades subversivas, segundo a conclusão do Inquérito Policial-Militar (IPM) ali instalado para apurar os movimentos da Juventude Operária Católica (JOC). A JOC era uma associação civil católica reconhecida nacionalmente pela hierarquia eclesiástica desde 1948 como setor especializado da ACB destinado à difusão dos ensinamentos da Igreja no meio operário. Essa prisão ampliou em muito a crise já latente entre a Igreja e governo, pois trouxe para os detidos a solidariedade de dezenas de bispos e padres, proporcionando mesmo uma certa união entre os religiosos conservadores e progressistas. No Rio, no dia 13, dom Jaime de Barros Câmara convocou a imprensa para divulgar o texto que seria lido nas missas da Guanabara no domingo seguinte, em que declarava “plena e irrestrita solidariedade à Igreja de Belo Horizonte”. Nesse texto, o cardeal-arcebispo afirmava ainda que “a Igreja de Cristo aqui no Brasil não poderia deixar de ser fiel à sua missão, mesmo e principalmente quando a incompreensão e a insensatez tentam impedi-la de atuar e ser fiel”. Doze horas depois, na noite do día 13, foi editado, pelo presidente Artur da Costa e Silva, o Ato Institucional nº 5 (AI-5).

Em 13 de maio de 1969, foi divulgado um manifesto, assinado por 80 padres da arquidiocese do Rio de Janeiro, em que era ressaltada “a obediência à hierarquia da Igreja como expressão válida e indispensável da nossa fé”. Esse documento, lançado inicialmente em São Paulo pelo movimento Fé e Disciplina, mostrava-se ainda contrário aos padres que, “voluntária ou involuntariamente, [estavam] indo de encontro à ordem vigente”.

Em 1º de janeiro de 1970, dom Jaime comemorou em Florianópolis o jubileu de ouro de sua sagração sacerdotal.

Em outubro desse ano, menos de um mês antes das eleições parlamentares, a polícia política do Rio invadiu a sede nacional da JOC, prendendo sete padres e vários leigos, o que provocou a imediata mobilização da CNBB. No Rio, dom Jaime, que normalmente se mantinha afastado de tais episódios, procurou obter audiências com o ministro do Exército, general Orlando Geisel, e com o comandante do I Exército, general Siseno Sarmento, que oficialmente se manifestaram propensos à limitação do conflito.

No início de 1971, dom Jaime viajou a Belo Horizonte para participar da reunião da CNBB. Durante o encontro, procurou seus colegas, pedindo-lhes sua adesão, a um abaixo-assinado em defesa do sacramento da confissão, aparentemente abalado pela decisão do papa Paulo VI de abolir a confissão auricular de pequenos pecados. Segundo um de seus biógrafos, esse ato de aparente indisciplina de dom Jaime traduzia sua preocupação maior com a tradição da Igreja. Isso não o impedia, contudo, de se tornar o mais firme defensor dos novos métodos, desde que o Vaticano insistisse na mudança.

Na manhã de 16 de fevereiro, dom Jaime foi homenageado pelos bispos da CNBB pelo seu aniversário de cardinalato, o que lhe provocou, pela emoção, as primeiras dores cardíacas. Apesar do repouso que lhe fora recomendado pelo médico, dom Jaime manteve sua decisão de viajar para Aparecida do Norte (SP), onde rezaria missa com dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, arcebispo daquela cidade e que, como ele, fora elevado ao cardinalato em 1946. No dia 18 de fevereiro de 1971, depois de celebrar a missa, dom Jaime tornou a ter problemas cardíacos, vindo a falecer no mesmo dia, ainda em Aparecida do Norte.

Dom Jaime de Barros Câmara foi membro do Sacro Colégio dos Cardeais da Santa Sé e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Pertenceu também às congregações dos seminários, das universidades de estudo e da Fábrica de São Pedro e da Cúria Romana. Foi doutor honoris causa da Faculdade de Filosofia da PUC do Rio de Janeiro.

Entre as diversas obras por ele publicadas, incluem-se: Apontamentos de história eclesiástica (1942), Manifesto do episcopado sobre o problema político e a questão social do Brasil (1945), Compêndio de teologia pastoral oferecido aos seminaristas do Brasil (1948), O clero em retiro espiritual (1955), Compêndio de teologia pastoral (1955), O sacerdote em viagem (1956), Problemas (1963), Os grandes campeões da fé (1966) e Reflexões para religiosos em viagem (2v., 1968).

Regina da Luz Moreira

Fonte: FGF CPDOC.






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Primeira turma de alunos do Seminário Menor de Azambuja No centro o primeiro reitor pe. Jaime de Barros Câmara (1927/1935). Os seminaristas passam...

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